Semana do Guarani – 1919, o ano do segundo título

Durante o ano de 1916, clubes menores da cidade que haviam ficado de fora do campeonato da Associação Campineira de Foot-Ball (ACFB) organizaram uma competição paralela, com o Concordia FBC (clube que daria origem ao Bonfim FC) sendo o vitorioso entre as equipes principais. Logo a 23/01/1917, a imprensa noticiou que o prefeito Heitor Teixeira Penteado e o vereador Justo Pereira da Silva apresentaram à Câmara Municipal projeto destinando um crédito de 1 conto e 500 mil réis para a compra de duas taças, a serem disputadas entre os 1º e 2º quadros dos clubes campineiros num grande campeonato, que seria aprovado. Quem vencesse por duas vezes ficaria com o prêmio em definitivo. Todos os clubes das duas ligas de 1916 estavam convidados.

Dez clubes acabaram aderindo ao 4º campeonato municipal da história (o segundo da ACFB): 1 – Campinas Black Team; 2 – White Team; 3 – Guarany FBC; 4 – AA P. Preta; 5 – Concordia FBC; 6 – Internacional Ponte Preta FBC; 7 – Esperia FBC; 8 – Americano FBC; 9 – Villa Industrial FBC e 10 – Ypiranga FBC.

O campeonato de 1917 começou somente em 7 de setembro de 1917 e se estenderia até outubro de 1918, com um jogo por domingo e feriados, sempre no Hipódromo. O White Team aproveitou-se de uma brecha no regulamento e inscreveu vários jogadores que disputavam o Campeonato da Assoc. Paulista de Sports Athleticos (APSA), na capital, que alegavam residir em Campinas (dentre eles, Antonio Dias, convocado para a seleção brasileira, e Tatú, um dos grandes nomes futuramente do Scratch nacional).

O Campinas Black Team também se reforçou, mas foi acusado de ter inscrito jogadores “profissionais” (que recebiam para jogar), e acabou sendo eliminado, bem como esses “atletas”. O Guarani teve altos e baixos, tropeçou no Villa Industrial e viu o White Team conquistar o título máximo, levando para sua sede a “Taça Municipal” pela primeira vez. Os clubes Internacional Ponte Preta FBC, Esperia FBC, Americano FBC e Ypiranga FBC desistiram ao longo da competição, que começou com dez e terminou com cinco.

Após uma paralisação do futebol pela pandemia de Grippe Espanhola, a Associação Campineira de Foot-Ball passou a organizar o Campeonato de 1919, com as cinco equipes remanescentes do ano anterior, e acabou excluindo seis jogadores do White Team, por não comprovarem que residiam em Campinas. A dúvida era: sem mais de meio time, e justamente as estrelas “importadas”, como atuaria o White no Campeonato Municipal de 1919?

Enquanto isso, uma boa novidade era apresentada pela APSA: o primeiro “Campeonato do Interior”, onde os principais clubes do interior do estado jogariam partidas eliminatórias, até apurar-se o campeão, sendo subdivididos inicialmente em zonas. Campinas e Santos, que tinham campeonatos municipais, seriam representadas por seu campeão no ano anterior.

Em 17 de fevereiro de 1919, a Assoc. Campineira de Foot-Ball liberou a permuta de Augusto Baptista (“Nerino”) do Guarani com Miguel Mancini, do Concordia. José Tavares também havia deixado o Concordia, se associando ao Bugre. Porém, nem tudo corria bem na inscrição de atletas. Um dos eliminados do Black em 1917, pela ACFB, por “profissionalismo”, havia sido Miguel Grecco. Ele voltara a defender o Guarani, clube que ajudara a fundar em 1911, mas a Associação não liberou sua inscrição para o novo campeonato municipal.

Em 25/02, noticiou-se que Carlos Fernandes, proprietário da Fabrica de Anil Japoneza, doava uma taça para o vice-campeão, a Taça Japoneza.

A estreia do Bugre (e é bom que se diga que o clube já havia adotado esse apelido) foi em 09/03/1919 contra o White Team, e a vitória veio com facilidade. O jornal Correio de Campinas trouxe na terça (11/03), pág. 1: “O começo do Campeonato de 1919 não teve o brilho que se esperava, em primeiro logar porque o White, campeão do anno transacto, se apresentou fraquíssimo (…)”. O Diario do Povo confirmou: “(…) o White sem Tatú e Dias torna-se muito fraco e não é mais do que um deposito de pancadas (…).

Accacio marcou para o White; Dario empatou, cobrando um pênalti duvidoso, e Juca depois fez mais dois (o primeiro de pênalti e o outro de cabeça). Placar final: 3 x 1. Na preliminar, 2 x 0 para o “segundão” bugrino.

A 2ª rodada do Campeonato Campineiro apresentou, no dia 16/03, Villa Industrial 2 x 0 Concordia (Concordia 7 x 0 entre os segundos).

Para 30/03/1919 estava previsto o primeiro dérbi do ano, com muita provocação dos adversários, que haviam vencido o anterior. Os jornais comentavam que o Guarani estava com seu time desfigurado e que deveria perder novamente; que Egydio (Badú) e Augusto haviam sido atingidos pela Grippe Espanhola e ainda estavam fracos, que Rosa mudara-se para Jundiaí e Carlos deixara o clube (indo para o Villa Industrial). Miguel Tijolo e Romeu de Vito, que haviam sido “rebaixados” para o 2º quadro, voltavam ao time de cima. O goleiro Pacheco, antes eliminado, também jogaria. O time bugrino: Pacheco, Dario e Paulino; Tonico, Juca e Badú; Ricardo, Romeu, Augusto, Pilla e Tijolo.

Na preliminar, Guarany 2 x 0, com gols de “Deputado” e Mancini.

A AAPP cometeu pela primeira vez um erro imperdoável, em se tratando de dérbis: sentiu-se favorita. Com muita raça, o Guarani fez uma partida surpreendente e venceu por 1 x 0, gol de Juca, assim narrado pelo Diario do Povo: “(…) num dado momento, depois do perigo de um corner quase u’a melé e Juca, o esplendido center-alf com uma cabeçada manda a bola á trave e volta; porém, Juca, agia, num lance admirável e dá formidável shoot que vasa o goal de Amparense (…) A equipe verde-branca na convicção plena, quase absoluta de ser vencido, jogou com o maximo de sua sciencia e o conjuncto de todas suas forças disponiveis; ao passo que o alvi-negro deixou-se fascinar peccadouramente na certeza de que era o senhor da situação, estando a victoria em suas mãos (…) Badú, Tijolo e os outros pontos que todos julgavamos fracos, tornaram-se fortes, e a partida foi ganha honrosa e bellamente pelo Guarany (…)”.

Os jornais então já diziam que, se mantido o nível apresentado nesse jogo, mesmo com os desfalques, fatalmente o Bugre voltaria a ser o campeão campineiro. À noite, grande número de torcedores foi de trem, num “vagão prancha”, até Sousas, onde festejaram a vitória desfilando pelas ruas com duas grandes bandeiras. O tesoureiro Antonio Alberti, querendo comemorar a vitória ante o rival, ofereceu no dia seguinte, em sua residência, uma grande festa aos atletas e diretores, reunindo mais de 100 pessoas.

No dia 20 de abril o White Team mais uma vez decepcionou, não saindo de um empate em 0 x 0 com o Concordia FBC. Na preliminar, o segundão do Concordia goleou o do White por 5 x 0.

No feriado de 22/04, o Guarani enfrentou o Villa Industrial, sua “asa negra” no ano anterior, mas desta vez conseguiu a vitória: 1 x 0 (Romeu), com grande atuação do goleiro Hugo, do Villa, que evitou uma goleada. Sabe-se que jogaram: Aldo (no gol), Romeu, Juca, Badú e Pilla e o árbitro foi Freitas Pinto (APSA). Antes, o 2º quadro bugrino também fez 1 x 0.

Em 27/04, o Guarani voltou ao Hipódromo e superou o Concordia por 3 x 0, gols de Augusto, Pilla e Ricardo. Entre os segundos quadros, num grande jogo, empate em 2 x 2 (gols bugrinos de Deputado e Zequinha), com péssima atuação do árbitro Alberto Delbuono (AAPP).

O primeiro turno do campeonato teve ainda duas partidas em maio:

04/05 – AAPP 4 x 1 Villa Industrial (AAPP 3 x 2 nos segundos)

11/05 – AAPP 0 x 0 White Team (AAPP 4 x 0 na preliminar).

Em 13/05, iniciou-se o returno do Campeonato Campineiro, com o Bugre líder isolado e de novo enfrentando o Concordia. Mas a confusão começou cedo, na preliminar, envolvendo (de novo) o árbitro Alberto Delbuono, da AAPP. O 2º quadro do Concordia (campeão do ano anterior) dividia a liderança com o Guarani e, com o auxílio descarado do “juiz”, venceu por 1 x 0. Houve grande confusão e o Commercio de Campinas chegou a pedir que a partida fosse anulada, em prol do próprio futebol, o que também fez o Bugre num protesto formal. No jogo principal, o Guarani confirmou o favoritismo e venceu por 1 x 0 (Ricardo). Não se divulgou as escalações. Sabe-se que Augusto não jogou.

No dia 18/05, o Bugre goleou o Villa Industrial por 5 x 1 (Augusto, Romeu, Massoco (Villa), Herculano (2) e Augusto). Herculano, o “Deputado” fez sua estreia no time principal, com “Tijolo” indo jogar no 2º quadro. O goleiro Hugo foi o grande desfalque do Villa. O time bugrino: Aldo, Dario e Paulino; Tonico, Juca e Egydio; Ricardo, Romeo, Herculano, Augusto e Pilla. Na preliminar, o segundão alviverde massacrou: 13 x 0, com Tijolo marcando 7 vezes (um recorde), Romano (3), Vicente, Mancini e Palmyro.

No dia 20/05, é publicada a decisão da ACFB de manter o resultado do jogo dos 2ºs quadros de Guarani X Concordia.

Em 23/05, jogam AAPP x Concordia e há uma grande “marmelada”, segundo o Commercio de Campinas do dia seguinte. Para garantir o título ao Concordia nos 2ºs quadros, a AAPP foi a campo com apenas 8 jogadores (e perdeu por 3 x 0) e, em troca, o Concordia teria “entregue” o jogo dos 1ºs  quadros (AAPP 4 x 0), o que deixava a alvinegra no páreo pelo 2º lugar.

A disputa das Taças Municipais prosseguiria com mais três partidas:

08/06 – White 0 x 0 Concordia  (Concordia 4 x 2 nos segundos)

15/06 – White 2 x 1 Villa Industrial  (2º Villa 4 x 2 na preliminar)

22/06 – AAPP 4 x 0 White Team (2º AAPP 6 x 1).

Em 29 de junho, aconteceu o segundo dérbi do Campeonato Campineiro de 1919 e o Guarani mais uma vez não tomou conhecimento da AAPP, vencendo-a por 1 x 0, gol de “Tijolo”

Com esse resultado, o Bugre comemorou antecipadamente a conquista de seu segundo título municipal, o que também lhe credenciava a disputar no ano seguinte o Campeonato do Interior da Associação Paulista de Sports Athleticos, como o representante de Campinas.

A escalação do Guarani nessa partida decisiva: Aldo, Dario e Paulino; Tonico, Juca e Egydio; Ricardo, Romeu, Herculano, Tijolo e Pilla.

Em 14 de julho (feriado, numa segunda-feira), o Bugre encerrou sua participação no Campeonato Campineiro enfrentando o White Team no Hipódromo, com mais uma vitória: 3 x 0. Na preliminar, empate em 1 x 1, sendo o juiz ninguém menos que Luiz Bertoni, um dos fundadores do Guarani, que tornara-se árbitro no sul do Brasil e visitava Campinas.

O Diario do Povo de 15/07 comentou: “O nosso glorioso e decidido Guarany, esse conjuncto que honra o “foot-ball” em nossa terra, conquistou (…), mais uma vez, o título de campeão campineiro, adquirindo, com isso, o direito de conservar, pelo decorrer do presente anno a 1ª “Taça Municipal” (…).

Em 27/07/1919, o Concordia FBC ainda venceu o Villa Industrial por 6 x 1, pelo Campeonato Campineiro. Seu 2º quadro, que já havia garantido o bicampeonato da categoria, não passou de um surpreendente empate em 1 x 1, já que esse foi o único ponto conquistado pelo 2º time do Villa.

De todas as partidas do Campeonato Campineiro de 1919 apenas duas não têm seu resultado conhecido (AAPP X Concordia, no 1º turno, e AAPP X Villa, no returno). Se não houve uma cobertura perfeita, ao menos os jornais permitiram uma razoável reconstituição daquele que foi o 5º campeonato municipal da história e que garantiu ao time principal do Guarani o segundo título e a retomada da hegemonia no futebol local.

Colaborou: Fernando Pereira. Maiores detalhes dessa conquista no livro “Os Primeiros Passos de um Campeão” – 2ª Edição/2019.

WhatsApp
Facebook
Telegram
Twitter
Email